INADIMPLÊNCIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

INADIMPLÊNCIA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Vivenciamos um momento único na história mundial, em que medidas de isolamento social, em razão da pandemia de COVID-19, vêm afetando grandemente a economia, provocando o inevitável achatamento do emprego e renda. Tal cenário reflete, inexoravelmente, em muitos negócios, seja de grandes ou pequenas empresas, atingindo tanto o trabalhador comum, como o autônomo e os empresários em geral, trazendo escassez de receitas e recursos para as despesas do dia a dia.

Não há dúvidas que a situação vigente tem impacto negativo sobre as receitas dos condomínios, que, segundo a mídia, já começa a ver a elevação dos percentuais de inadimplência, especialmente quando não dispõem de um sistema efetivo de cobrança no condomínio. Tal aumento é maior nos condomínios comerciais e nos residenciais onde estão pessoas das classes “C” e “D”, categorias mais afetadas com as restrições impostas pela quarentena.

Nesse sentido, é importante que a administração e os condôminos tenham em mente algumas premissas, a fim de enfrentar, da melhor forma possível, esse período crítico e de turbulência econômico/financeira.

Primeiramente, é fundamental entender que o condomínio não é uma pessoa jurídica comum, mas um ente personalizado, que não visa lucro. Logo, sua receita é proveniente exclusivamente do rateio das despesas entre os condôminos. Isso implica que o seu funcionamento e, portanto, o pagamento de suas contas (como água, luz, salário de funcionários, dentre outras), só será possível se as unidades autônomas se mantiverem adimplentes no pagamento de suas quotas condominiais.

O condômino, assim, precisa estar ciente que sua contribuição, por meio do pagamento da quota condominial, é indispensável à sobrevivência do condomínio, posto que destina-se ao pagamento das contas de consumo e da própria subsistência do condomínio.

Dessa premissa decorre que, em que pese a grave crise sanitária vivenciada, nenhum condômino está desonerado da obrigação de pagar sua quota condominial. Caso não efetue o pagamento na data aprazada responderá pela inadimplência, com os encargos, nos moldes previstos na Convenção do Condomínio e nos artigos 1.336, I, do Código Civil.

Neste ponto urge alertar que o ajuizamento de ação pelo inadimplemento de quotas condominiais pode levar à perda do imóvel, mesmo que esteja financiado e constitua o único bem, com possibilidade de razoável depreciação do valor do bem, já que se levado à hasta pública, no segundo leilão poderá ser arrematado por valor bem inferior ao da avaliação.

Outra premissa, não menos importante e decorrente da primeira, é que, tratando-se os pagamentos das quotas condominiais condição de existência do condomínio, o síndico/administrador tem o dever de promover a cobrança dos condôminos inadimplentes (artigo 1.348, Código Civil e Convenção Condominial), sob pena de ser responsabilizado pela omissão.

Como o momento é de crise, a autocomposição é a tônica, para que os prejuízos não sejam extremados, principalmente como resultado da inflexibilidade nas negociações. Neste ponto é importante ter bom senso, com análise detalhada de cada caso, usando flexibilidade no que diz respeito ao parcelamento e prazos, atendendo ao condômino que, de fato, não dispõe de recursos para pagamento imediato do débito.

Ressalte-se que, mesmo em meio à situação de exceção vivenciada, não é recomendável a concessão de descontos de encargos ou isenções do pagamento das quotas condominiais para as unidades, sob pena de responsabilização do síndico ou administrador e, pior, de deixar o condomínio sem receita para fazer frente às suas despesas. A assembleia geral é o único órgão com poderes para abrir mão de receita do condomínio e, ainda assim, poderá ser questionado. Desse modo, é sempre importante o síndico solicitar apoio jurídico antes de adotar qualquer medida, a fim de evitar a adoção de medidas que infrinjam dispositivos legais ou convencionais.

Pode ser conveniente considerar alguns ajustes nas despesas do condomínio com a finalidade de preservar a receita de forma a suportar eventual aumento da inadimplência dos condôminos nesse período. Essa tarefa exige criatividade e muita disposição.

Algumas sugestões para redução dos gastos são:

1.    Negociar com eventuais fornecedores, especialmente aqueles cujas despesas não sejam ordinárias;

2.    Estabelecer prioridades adiando despesas que podem ser adiadas como paisagismo, decoração da área comum, instalação de equipamento de esportes, dentre outros;

3.    Negociar a suspensão temporária de alguns serviços, como por exemplo a manutenção da academia e da piscina que permanecerão interditadas durante o período da pandemia;

4.    Suspender, temporariamente e se possível, mediante autorização da assembleia, os pagamentos de taxas extraordinárias de obras e serviços ainda não iniciados.

De toda forma, o importante é que o gestor, prevendo o aumento da inadimplência em decorrência da crise financeiro-econômica, crie soluções e estabeleça planos consistentes de ação, para que não tenha um aumento exponencial da inadimplência e a consequente insolvência do condomínio.

Nesse diapasão, é fator determinante a orientação de profissionais qualificados e experientes na tomada de decisões nesse momento de crise, bem como para a efetiva cobrança dos inadimplentes. Algumas empresas, inclusive, já reforçaram as equipes para intensificar as cobranças de forma adequada.

Sabe-se que, além da pandemia, a mudança ocorrida no Código Civil de 2002, que reduziu a multa moratória dos quotas condominiais para 2%, já desestimulou a pontualidade. Segundo os que militam na área, a limitação da multa configurou um retrocesso e em nada beneficiou os condomínios, pois a multa de 20%, anteriormente estabelecida, considerada alta, estimulava a pontualidade.

Ademais, diante do alto custo do processo judicial, muitas condomínios não se sentem estimulados a discutir pequenos valores, levando-os à omissão e à falta de rigor, o que, também, estimula a inadimplência. Acresça-se o fato de que, à ausência de orientação profissional, muitos gestores, no afã de receber, o fazem sem acréscimos legais, estimulando ainda mais a inadimplência. Com tudo isso, muitos condôminos priorizam o pagamento de outras dívidas, relegando o das taxas condominiais, deixando o condomínio, muitas vezes em verdadeira situação de insolvência.

Tal situação não pode prevalecer. É preciso usar estratégias corretas de cobrança para minimizar os efeitos deletérios da inadimplência, mesmo em tempos de adversidade.

De toda sorte, como o vivemos um momento singular e de profunda crise em que todos os setores têm sido afetados, recomenda-se:

1.    Aos gestores, cercar-se da melhor assessoria possível, pautando suas ações e decisões na Lei, nos instrumentos normativos do Condomínio e, especialmente no bom senso;

2.    Aos condôminos, procurar manter em dia o pagamento de suas taxas condominiais e, quando não for possível, procurar o condomínio, o mais brevemente possível, para a negociação do débito, a fim de evitar maiores transtornos decorrentes do débito.